Lluís Millet Farga
Illa de Corfú (Grècia), 26-08-1909 - Porto (Portugal), 24-01-1976
PortuguêsIsabel Millet
Sabes que há coisas de que já não me lembro.Ele falava pouco da sua infância, falava pouco de si mesmo.
Não me lembro de o ouvir estudar em casa, lembro-me que imitava vozes de animais no violoncelo, para me divertir.
E lembro-me de o ouvir tocar o Kol Nidrei. Sentava-me em frente dele e era como se aquele som poderoso e vibrante, vindo das profundezas da alma me enchesse toda por dentro. Era da alma dele para a minha.
Talvez por ser de origem judaica, sentia aquela música de forma profunda. Eu também. Nunca mais ouvi ninguém tocar assim o Kol Nidrei.
Cantava canções para adormecer: “La Mare de Deu” e “Que le darem a la Noi de la mare…”
Canto-as para o meu neto e é como se descesse um anjo na hora de dormir.
Começou muito cedo a ter aulas de música. Dizia-nos que era muito bom no solfejo. Mas era para nos incentivar, nunca se gabava de nada.
Eugénia Millet
Lembro-me da sensação de segurança, de conforto que sentia, ao acordar ao som de escalas no violoncelo. Todos os dias começavam assim.
Lembro-me que, mesmo em férias, quando alugávamos uma casa junto à praia, o violoncelo ia connosco.
A emoção de ir assistir a um concerto em que o nosso pai era solista, com o coração aos saltos ao ouvir passagens que conhecíamos de cor. Recordo particularmente o solo do bailado “O Lago dos Cisnes”. Era muito pequena, mas esse momento ficou gravado na minha memória.
Os nossos pais sentados no sofá de mãos dadas, como namorados.
A paciência com que ele me ensinava violoncelo.
E as canções de embalar.
I Tu foste à ilha de Corfú, na Grécia, onde ele nasceu, no dia 26 de Agosto de 1909. Na altura os pais dele encontravam-se lá, em trabalho. Eram comerciantes. Já não me lembro como se chamavam.
E O pai chamava-se Francisco Millet y Pagés e a mãe, Teresa Farga y Coura.
A igreja onde foi batizado, em Corfú, era muito simples: por cima da pia batismal, duas cabeças de anjo em pedra, iluminadas pela luz das velas. O nome de batismo é Lluis Espiridion Jorge Millet Farga.
I Para além dele, existiam mais cinco irmãos. Uma delas, Teresa, quando era pequena, caiu por cima de uma cadeira virada ao contrário e uma das pernas enfiou-se-lhe num olho, o que fez com que ficasse deficiente. Durante a guerra, morreu por causa da falta de alimentos.
Foi por isso que ele não quis que te chamasses Teresa, porque se lembrava da irmã.
E Aos seis anos, o pai, grande apreciador de música, quis que ele começasse a estudar violino com o professor Francesc Costa.
I Nessa idade tinha o cabelo louro, quase branco.
E Mais tarde, aos nove anos, o seu professor, o grande violoncelista Gaspar Cassadó, convenceu-o a mudar para violoncelo.
I Na escola chamavam-lhe “gordo”, mas mais tarde tornou-se muito magro. Não era alto e tinha um nariz proeminente. Os olhos eram esverdeados. Dizia que, quando adolescente, passava a vida ao espelho, a ver se os seus olhos se tornavam azuis, como os de Pablo Casals.
E Estudou também com Francisca Vidal de Capdevila, aluna de Casals, com quem cinco anos depois começou a trabalhar.
I Era sobrinho e homónimo do grande Maestro Lluís Millet, figura importante da vida musical catalã, fundador do Orfeó Catalá.
E Ganhou todos os anos o primeiro prémio no “Curso de Aperfeiçoamento Musical”, no “Institut Musical Casals”, entre 1922 e 1926. Em 1927 ganhou o “Premi Parrámon”, em que o presidente do júri era Pablo Casals.
Entre essa data e 1928, tocou várias vezes a solo, fazendo parte do seu repertório, nesta altura, obras como: “Intermezzo de Goyescas” de Granados; “Chanson Villageoise” de Popper; ”Adagio Molto Cantabile” e Sonata em Sol de Breval; “Arioso” de Bach; “Après un Rêve”de Fauré; Allegro Apassionato de Saint-Saens; Canção Índia de Rimsky-Korsakoff; Cantos Hebraicos de Max Bruch. Apesar de ser ainda muito novo, apenas 20 anos, as críticas da época foram muito elogiosas.
Segundo o crítico Alfredo Romea, no “El Noticiario Universal”, de Novembro de 1927, “Lluis Millet, que está dotado de un fuerte temperamento músico, interpreta com gran pureza de estilo y muy buen sentido artístico, cosechando en todas las obras que interpreto, abundantes aplausos. Repitió “Après un Rêve” de Fauré y aun hubo de añadir varias obras fuera de programa.” A “Revista Musical Catalana”, de Dezembro do mesmo ano, refere: “En Lluis Millet ha donat a l’Orfeó Gracienc un recital on es van manifestar plenamente les envejables condicions de concertista que posseeix. El seu instrument sona amb una puresa de timbre extraordinària i es d’aplaudir el seu bon gust en la manera de frassejar”. Em Fevereiro de 1928, “La Veu de Catalunya”, segundo Joan Llongueres: ”En Millet, mostrà esplendidamente les seves envejables facultats de veritable artista. Al domini complet de l’instrument, cal afegir una manera ben personal i ben viva de sentir i expressar la música. L’execució de totes les obres que integraven el programa fou en extrem acurada i verdaderamente notable”.
Tocou na Orquestra Pau Casals e, por sugestão do Mestre, foi estudar na Escola Normal de Música de Paris, onde este presidia a um curso dirigido por Diran Alexanian. Em Junho de 1931, tocou na “Salle de Concerts de L’école Normale de Musique de Paris”.
A 15 de novembro do mesmo ano tocou, como solista, com a Banda Municipal de Barcelona dirigida por Joan Lamote de Grignon. Interpretou o “Concerto en Re Maior de Haydn”, as “Variações Sinfónicas de Böelmann” e “Reverie” de Joan Lamote de Grignon.
Foi muito elogiado pela crítica da época. No jornal “L’intransigeant”, classificam a sua sonoridade como “nobre e cálida, sensibilidade e técnica admirável”.
Entre 1932 e 1935, realizou vários concertos com o pianista Pau J. Bartulí. Em 1935, tinha ele 25 anos, viajou para Nova Iorque. Segundo uma crítica do “New York Times”, “arranca do violoncelo uma doce sonoridade”.
Dirigiu-se, a seguir, para Dallas, Texas, onde o irmão, Francesc, se encontrava a trabalhar. Aí tocou como solista em vários concertos, nomeadamente no Highland Park e Town Hall, acompanhado pelo pianista Carl Wiesemann, interpretando Granados, Ravel, Bloch, Dunkler, Chopin, Ravel, Haydn, Lamote de Grignon e Boellmann. As críticas são entusiásticas, referindo um sucesso que leva à repetição de algumas obras e à execução de extras.
Em Outubro do mesmo ano, integra o Dallas Symphony Orchestra como primeiro violoncelo.
I Adorava dançar e era um galanteador. Gostava do mar. Era um bom nadador.
E Em Abril de 1936, foi solista num concerto com a orquestra de Dallas, interpretando o Concerto de Lalo.
I Aproveitando um período de descanso, tencionava ir a Espanha, visitar a família. Mas a guerra civil espanhola estava prestes a rebentar. Alarmada, a mãe escreveu-lhe tentando dissuadi-lo de viajar. Estava impedida de falar mais claro, pois as cartas eram todas revistas.
As palavras da mãe deixaram-no perplexo e até ofendido:
“Parece que não me querem lá em casa”, pensava. Isto fê-lo partir ainda mais cedo e o pior aconteceu.
A Guerra Civil rebentou impedindo-o de regressar a Dallas.
E Apesar de todos os esforços da Dallas Symphony Society junto do Consulado americano, não o autorizaram a sair do país e foi obrigado a combater.
I A guerra foi um pesadelo. Viu-se obrigado a combater pelo lado do General Franco. Porém, como Casals, ele era contra tudo o que aquele General significava e conseguiu passar-se para o lado contrário.
E Ele sempre foi contra o regime.
I A guerra marcou-o profundamente.
E Com a vitória do General Franco, a Guerra Civil terminou.
Em 1939, foi professor na “Escuela Tomás Luís de Victoria” e 2º Subconcertino na Orquestra Municipal de Barcelona. Continuou a tocar a solo, no Palau de la Música, no Teatro Studium, Sala Mozart, acompanhado por Rafael Galvez e José Maria Roma Roig. Interpretou Vicent Maria Gibert, Grieg, Beethoven, Chopin, Tartini, Bach, Dittersdorf, Broqua-Millet, Granados e Popper. A 18 de maio de 1945 atuou como solista com a Orquesta Municipal de Barcelona dirigida por Eduard Toldrà, interpretando o “Concerto em Ré Maior de Haydn”. As críticas descrevem-no como “um dos nossos jovens destacados violoncelistas-dominando o arco, mão esquerda ágil; tem um som claro e penetrante; a sua sonoridade é quente; Interpretou com domínio absoluto e intenso sentimento” (Diario de Barcelona, El Correo Catalán, El Noticiero Universal).
Em finais de 1947 foi convidado pela Diretora do Conservatório de Música do Porto, Maria Adelaide de Freitas Gonçalves, para integrar a orquestra que estava a ser formada.
I Por esta senhora e por Guilhermina Suggia, grande violoncelista portuguesa. Denominava-se “Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto”. Suggia encarregou-se da formação do naipe dos violoncelos. Devido à fama que tinha adquirido, Lluis foi convidado para 1º violoncelo.
E Em Novembro do mesmo ano, pediu uma licença por 8 meses, na Orquestra Municipal de Barcelona, para dar uma série de concertos em Portugal.
Vem, então, para este país, instalando-se numa pensão modesta, no Porto. Começa a tocar na orquestra como 1º violoncelo, mas também como solista.
Em 24 de Julho de 1948 tocou no Palácio de Cristal o “Concerto Grosso em Ré menor”, de Vivaldi.
Do naipe dos violoncelos faziam parte alguns alunos de Guilhermina Suggia. Entre estes, estava Isabel Cerqueira.
I Lluis começou a ter algumas aulas com Suggia em sua casa, na Rua da Alegria e acontecia, por vezes, lá se encontrar Isabel que, para além de aluna, era também grande amiga da Mestra.
Lluis começou a aparecer para as aulas, nos dias em que Isabel lá se encontrava, mas esta não lhe prestava atenção.
E Entretanto, Lluis não desistia de a conquistar.
I Ela já ia nos seus trinta anos. Pequena e delicada, tinha uns grandes olhos expressivos, uma boca bem desenhada e um sorriso luminoso, que o encantava.
Por esta altura, a calva dele começava a acentuar-se. Não era alto nem bonito, e era até um pouco desajeitado mas isso fazia parte do seu encanto. Possuía uma enorme simpatia, uma educação perfeita e sabia como falar às mulheres.
Tudo isto ia conquistando Isabel Cerqueira que, de dia para dia, mais atenção lhe prestava, até se render ao violoncelista catalão.
E Lluis, aluno de Casals, Isabel, aluna de Suggia. Foi um encontro mágico.
A notícia do noivado caiu como uma bomba no seio da família Cerqueira.
I Entretanto Guilhermina Suggia, muito doente, todos os dias definhava mais um pouco, até que, em 1950, acabou por morrer.
E Apesar da oposição do pai de Isabel, casaram-se em Março de 1951, na Igreja Românica de Cedofeita, no Porto. Foi uma cerimónia muito simples, sem festa.
I Quando o testamento de Suggia foi lido, uma grande surpresa lhes foi revelada.
E Suggia havia deixado o usufruto da sua casa a Isabel.
Entretanto, Lluis foi obrigado a abandonar Portugal. O seu nome constava da lista da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Instalou-se, então, numa pensão em Vigo, enquanto tocava na orquestra local.
I Esta situação não durou muito. A autorização para Lluis poder regressar a Portugal acabou por chegar e ambos se instalaram, definitivamente, na casa da Rua da Alegria.
E Ainda em 1951, Lluis foi convidado para tocar o Concerto em Sol M de Boccherini com a orquestra de Vigo e tocou, também, um dueto com Isabel.
Nesta altura, recebeu vários convites para voltar a trabalhar nos Estados Unidos, extensivos a Isabel. Ponderaram aceitar, mas decidiram, por fim, permanecer em Portugal.
I Isabel, a quem Lluis chamava Bel, engravidou no ano seguinte. A primeira filha nasceu em Outubro de 1952.
E Em 1953, tocaram ambos no Salão Nobre da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, a obra “Suite Sobre um Tema Popular”, acompanhados ao piano pela compositora, Berta Alves de Sousa, e, em 1954, Lluis interpreta a solo, com orquestra, a obra “Variações” de Respighi.
Em 1955, de novo em dueto com Isabel, acompanhados pela mesma compositora, tocaram numa reunião da Camarata Portucalense, que fora criada por Suggia, “Dueto para Violoncelos com Piano”. Lluís tocou ainda “Meditação Hebraica” de Bloch, “Habanera” de Berta Alves de Sousa, “Jueves Santo a medianoche" de Turina, “Tonadilla” de Blas de Laserna e “Granadina” de Joaquín Nin. No mesmo ano, no Conservatório de Música do Porto, tocou “Prelúdio e fuga”, novamente de Berta Alves de Sousa, com Isabel e Carlos Figueiredo. Tocou ainda “Lamento”, obra a ele dedicada pela compositora.
Em Agosto de 1958, tiveram mais uma filha.
Lluís continuou a tocar na Orquestra e também a solo. Em 1965, integrado nos Concertos Pró-Arte, tocou a Sonata em Fá op.6 de R. Strauss, Ernest Bloch e mais uma vez obras de Berta Alves de Sousa, acompanhado ao piano por Maria Manuela Araújo.
Em 1966, desta vez acompanhado por Fernando Jorge Azevedo, interpretou a suite “Cantos de España”, de Joaquin Nin.
I Nesse mesmo ano, durante o mês de Agosto, partiu numa digressão por Cabo Verde e Angola. Queria muito que Bel o acompanhasse, mas a única pessoa disponível para tomar conta das filhas, na ausência deles, era a irmã mais nova de Isabel. Mas esta recusou-se. Isto provocou uma discussão terrível entre ela e Lluís.
Ele era uma pessoa calma e gentil mas quando se exaltava era capaz de perder a cabeça.
No entanto, a irmã de Isabel mostrou-se irredutível e Lluis teve de partir sozinho, a bordo do navio Vera Cruz.
E Em 1968, formou um quarteto com os colegas e amigos Haydn Beck (violino), Alberto Gaio Lima (violino), José Luís Duarte (viola d’arco). No Instituto Britânico interpretaram o quarteto nº 19, em Sol M, de Mozart e ainda um quinteto para clarinete e quarteto de cordas em Lá M, de Mozart, com Américo Aguiar (clarinete).
Em 1969, em digressão nos Açores, acompanhado pelo pianista Fernando Jorge Azevedo, interpretou a Sonata para Violoncelo e Piano de Grieg e ainda obras de Granados, Turina e Falla.
Nesta altura era professor na Academia de Música de Vila da Feira e fazia também gravações para a rádio (Emissora Nacional). Não lhes faltava trabalho. Mesmo assim, não lhes erra fácil sustentar a casa que Suggia lhes deixara.
I Era uma grande moradia arte nova, com um portão verde cheio de arabescos e um belo jardim, mas a manutenção ficava cara e era necessário vendê-la.
Fomos, assim, morar para um complexo habitacional chamado Lima 5. Fica ali mesmo na Rua da Alegria, um pouco mais adiante, perto da casa, onde, em tempos, habitaram os pais de Suggia.
Durante o Verão, fomos a Barcelona, visitar a família, que morava na Rambla de Cataluña. Foi uma viagem memorável. O nosso pai estava muito feliz, queria mostrar-nos todos os lugares mais importantes da sua infância.
E Mais tarde eu adoeci com uma meningite. Durante um mês, estive num estado próximo do coma, mas curei-me por completo.
I Uma tarde, enquanto corria para apanhar o autocarro, Lluis tropeçou numa pedra e caiu. Partiu uma perna e um braço, teve de ser operado e ficou internado no hospital. O braço recuperou completamente mas a dificuldade em caminhar obrigava-o a usar canadianas.
Possuía uma enorme força de vontade e continuou, sempre, a tocar na orquestra.
E Essa queda foi o início de uma série de problemas de saúde que resultaram em várias cirurgias ao longo de alguns anos.
No Natal de 1975, disse-nos: “Este é o meu último Natal”.
I Não resistiu à última cirurgia. Morreu com 66 anos, no dia 24 de Janeiro de 1976, rodeado pela família, numa clínica no centro da cidade do Porto.
Mas o seu espírito nunca nos deixou. A sua música, que era igual à sua alma, ficou em nós, para sempre.
Lluis Millet era um grande violoncelista e o melhor ser humano que conhecemos ao longo da nossa existência.
Isabel Millet
Hi ha coses que ja no recordo.
Parlava poc de la seva infància, parlava poc de si mateix.
No recordo haver-lo sentit estudiar a casa, recordo que imitava veus d'animals al violoncel, per divertir-me.
I recordo haver-lo sentit tocar “Kol Nidrei” de Max Bruch. M'asseia al davant d'ell i era com si aquest so poderós i vibrant, provinent de les profunditats de l'ànima, m’omplís per complet. De la seva ànima a la meva.
Potser perquè era d'origen jueu, va sentir aquesta música profundament. Jo també. Mai vaig tornar a sentir ningú interpretar “Kol Nidrei” d’aquella manera.
Cantava cançons perquè m’adormís: "La mare de Déu" i "Què li darem al noi de la mare". Les va cantar per al meu net i és com si un àngel baixés a l'hora d'anar a dormir.
Va començar a rebre classes de música molt d'hora. Ens va dir que era molt bo en solfeig. Però ho deia per encoratjar-me a mi, ja que mai va presumir de res.
Eugènia Millet
Recordo la sensació de seguretat, de consol, que sentia quan em despertava amb el so d'escales al violoncel. Cada dia començava així.
Recordo que, fins i tot a les vacances, quan llogàvem una casa al costat de la platja, el violoncel ens acompanyava.
Recordo l'emoció d'anar a un concert en el qual el nostre pare era solista, el meu cor bategava amb força quan escoltava passatges que jo sabia de memòria. Recordo especialment el solo del ballet d’"El llac dels cignes". Jo era molt petita, però aquell moment va quedar gravat en la meva memòria.
Els nostres pares asseguts al sofà agafats de la mà, com amants.
La paciència amb què em va ensenyar el violoncel.
I Tu vas anar a l'illa de Corfú, a Grècia, on ell va néixer el 26 d'agost de 1909. En aquell moment, els seus pares eren allà treballant. Eren comerciants. No recordo com es deien.
E El pare es deia Francisco Millet i Pagès i la mare, Teresa Farga i Coura.
L'església on va ser batejat a Corfú era molt simple: a sobre de la pila baptismal s’hi trobaven dos caps d'àngel de pedra, il·luminats per espelmes. El nom cristià fou Lluís Espiridión Jorge Millet Farga.
I A part d’ell hi havia cinc germans més. Una d'elles, la Teresa, quan era una nena va caure sobre una cadira que es trobava girada i una de les potes se li va clavar a l'ull, això la va deixar discapacitada. Durant la guerra, va morir per falta de menjar. Per això no volia que et diguessis Teresa, perquè el nom li recordava a la seva germana.
E Als sis anys, el seu pare, gran amant de la música, va voler que comencés a estudiar violí amb el violinista Francesc Costa.
I A aquesta edat tenia els cabells rossos, gairebé blancs.
E Més tard, als nou anys, el seu mestre, el gran violoncel·lista Gaspar Cassadó, el va convèncer perquè canviés d'instrument i estudiés violoncel.
I A l'escola li deien gordo, però després es va tornar molt prim. No era alt i tenia un nas prominent. Els ulls eren verdosos. Va dir que, quan era adolescent, es posava cada dia davant del mirall per mirar si els seus ulls es tornaven blaus com els de Pau Casals.
E També va estudiar amb Francesca Vidal de Capdevila, una alumna de Casals, amb qui cinc anys després el mestre va començar a treballar.
I Era nebot i homònim del gran mestre Lluís Millet, una figura important a la vida musical catalana, fundador de l'Orfeó Català.
E Va guanyar el primer premi cada any al Curs de Perfeccionament Musical de l’Institut Musical Casals, entre 1922 i 1926, tocant amb seu violoncel Fleta, instrument que sempre el va acompanyar. El 1927 va guanyar el Premi Parramon, en què el president del jurat era Pau Casals. Durant aquells anys tocava recitals en què incloïa obres com "Chanson Villageoise" de Popper, la Sonata en sol major de Breval, l’”Allegro appassionato" de Saint-Saëns o “Kol Nidrei” de Bruch. Tot i ser encara molt jove, amb només vint anys, les crítiques de l'època ja eren molt elogioses. El crític Alfred Romea, a El Noticiero Universal de novembre de 1927, deia: "Lluís Millet, dotat d'un fort temperament musical, interpreta amb gran puresa d'estil i molt bon sentit artístic, trobant en totes les obres que va tocar abundants aplaudiments". La Revista Musical Catalana al desembre del mateix any afirmava: "Lluís Millet va oferir a la sala de concerts un recital en què es van manifestar plenament les envejables condicions de concertista que posseeix. El seu instrument sona amb una puresa de timbre extraordinària i és d'aplaudir el seu bon gust en la manera de frasejar". I al febrer de 1928, a La Veu de Catalunya, Joan Llongueres va comentar: "Millet mostra esplèndidament les notables facultats de veritable artista. Al seu domini complet de l'instrument, cal afegir una manera molt personal i viva de sentir i d'expressar la música. L'execució de totes les obres que van integrar el programa va ser extremadament precisa i veritablement notable". En aquests anys l'acompanyava al piano J. Sánchez Selma.
El 1929 va guanyar la Beca Alfonso XIII de la Diputació de Barcelona, ??que li va permetre continuar els seus estudis a l'estranger.
Va tocar a l'Orquestra Pau Casals i, per suggeriment del mestre, va anar a estudiar a l’École Normale de Musique de París, on va assistir a un curs dirigit per Diran Alexanian. Al juny de 1931, va tocar a la Sala de Concerts de l’École Normale. Al diari francès L'Intransigeant van definir-lo com un intèrpret amb una ”sensibilitat i tècnica admirables" i amb una sonoritat "noble i càlida”. El 15 de novembre del mateix any va tocar, com a solista, amb la Banda Municipal de Barcelona dirigida per Joan Lamote de Grignon. Va interpretar el Concert en re major de Haydn, les "Variacions simfòniques" de Böelmann i "Reverie" de Joan Lamote de Grignon. Entre 1932 i 1935 oferí diversos concerts amb el pianista Pau J. Bartuli.
El 1935, amb vint-i-cinc anys, va viatjar a Nova York. Un crític del New York Times va dir: "Treu un dolç so del violoncel". Més tard es va traslladar a Dallas, Texas, on treballava el seu germà Francesc. Allà va fer diversos recitals, principalment a Highland Park i al Town Hall, acompanyat pel pianista Carl Wiesemann, interpretant obres de Granados, Ravel, Bloch, Dunkler, Chopin, Haydn, Joan Lamote de Grignon i Boëllmann. Les crítiques van ser entusiastes, tot fent referència a un èxit que el va portar a repetir algunes de les obres del programa i a interpretar-ne algunes de noves.
A l'octubre del mateix any va entrar a formar part de l'Orquestra Simfònica de Dallas com a primer violoncel.
I Li encantava ballar i era un galant. Li agradava el mar i era un bon nedador.
E A l'abril de 1936, va tocar com a solista el Concert d'Édouard Lalo amb l'Orquestra Simfònica de Dallas dirigida per Paul van Katwijk.
I Aprofitant un període de descans, tenia la intenció de viatjar a Espanya per visitar la seva família. Però la Guerra Civil Espanyola estava a punt d'esclatar. La seva mare, alarmada, li va escriure tractant de dissuadir-lo. Se li va impedir escriure amb claredat ja que totes les cartes eren revisades i, en part, censurades. Les confuses paraules de la seva mare el van deixar perplex i, fins i tot, el van ofendre: "Sembla que no em volen a casa", va pensar. Aquesta incertesa el va fer tornar a Barcelona abans del que havia previst i va passar el pitjor: va esclatar la Guerra Civil i no va poder tornar a Dallas.
E Malgrat tots els esforços duts s terme per la Societat Simfònica de Dallas a través del Consolat dels Estats Units, no li van permetre abandonar el país i es va veure obligat a lluitar al front.
I La guerra va ser un malson. Es va veure obligat a lluitar al bàndol dels nacionals. No obstant això, com Casals, estava en contra de tot el que el general Franco significava i va aconseguir canviar de bàndol.
E Sempre va estar en contra del règim.
I La guerra el va marcar profundament.
E La Guerra Civil va acabar i el 1939 va ser professor a l’Escola Tomás Luis de Victoria i, posteriorment, fou segon subconcertino de l'Orquestra Municipal de Barcelona. Va continuar tocant recitals, al Palau de la Música, al Teatre Studium, a la Sala Mozart, acompanyat per músics com el violinista Rafael Gálvez i el pianista Josep Maria Roma. Va tocar obres de Vicenç Maria Gibert, Grieg, Beethoven, Chopin, Tartini, Bach, Dittersdorf, Broqua-Millet, Granados, Popper... El 18 de maig de 1945 va actuar com a solista amb l'Orquestra Municipal de Barcelona dirigida per Eduard Toldrà, tocant el Concert en re major de Haydn. Les crítiques el descrivien com "un dels nostres destacats joves violoncel·listes [...], dominant l'arc, la mà esquerra àgil [...], té un so clar i penetrant [...], el seu so és càlid [...], va interpretar amb absolut domini i intens sentiment" (Diario de Barcelona, El Correo Catalán, El Noticiero Universal).
A finals de 1947 va ser convidat per la directora del Conservatori de Música de Porto, Maria Adelaide de Freitas Gonçalves, per formar part de l'orquestra que s'hi estava creant.
I Una nova orquestra formada per aquesta senyora i per Guilhermina Suggia, la gran violoncel·lista portuguesa. Es deia Orquestra Simfònica del Conservatori de Música de Porto. Suggia va ser la responsable de seleccionar la secció de violoncels. A causa de la fama que havia adquirit, en Lluís fou convidat a ocupar la plaça de primer violoncel.
E Al novembre de 1947 va sol·licitar una excedència de vuit mesos a l'Orquestra Municipal de Barcelona per oferir una sèrie de concerts a Portugal.
Va arribar a aquest país i es va establir en una modesta pensió, a Porto. Començà a tocar a l'Orquestra com a primer violoncel, però també com a solista.
El 24 de juliol de 1948 va interpretar el "Concert grosso en re menor" de Vivaldi al Palau de Vidre.
Alguns dels alumnes de Guilhermina Suggia formaven part de la secció de violoncels de l'Orquestra. Entre aquests hi havia Isabel Cerqueira.
I En Lluís va començar a rebre algunes classes de Suggia a casa seva, a la rua da Alegria, i de vegades hi trobava la Isabel. Ella, a més de ser alumna, també era una gran amiga de la violoncel·lista.
En Lluís va començar a presentar-se a les classes els dies en què la Isabel hi era, però ella no li prestava atenció.
E No obstant això, en Lluís no es va rendir per conquistar-la.
I Ella es trobava ja a la trentena. Petita i delicada, tenia uns ulls grossos i expressius, una boca ben dissenyada i un somriure lluminós que el van captivar.
Ja aleshores la seva calvície començava a accentuar-se. No era alt ni guapo, i fins i tot era una mica maldestre, però aquesta característica era part del seu encant. Tenia una gran simpatia, una perfecta educació i sabia com tractar les dones.
Tot això va encisar la Isabel Cerqueira, la qual, dia a dia, li va prestar cada vegada més atenció fins a rendir-se als seus encants.
E En Lluís, alumne de Casals, la Isabel, alumna de Suggia. Va ser una trobada màgica.
La notícia del compromís va caure com una bomba dins de la família Cerqueira.
I Mentrestant, Guilhermina Suggia, molt malalta, es marcia cada dia una mica més fins que, el 1950, va morir.
E Tot i l'oposició del pare de la Isabel, es van casar el març de 1951 a l'església romànica de Cedofeita, a Porto. Va ser una cerimònia molt simple, sense festa.
I Quan es va llegir el testament de Suggia, se'ls va revelar una gran sorpresa.
E Suggia havia deixat la seva llar en usdefruit a la Isabel.
Mentrestant, en Lluís es va veure obligat a abandonar Portugal. El seu nom era a la llista de la PIDE (Policia Internacional i de Defensa de l'Estat de Portugal). Més tard es va instal·lar en una pensió a Vigo on tocava a l'orquestra de la ciutat.
I Aquesta situació no va durar gaire. L'autorització perquè en Lluís pogués tornar a Portugal va acabar arribant i tots dos es van establir permanentment a la casa de la rua da Alegria.
E Encara el 1951, en Lluís fou convidat a tocar el Concert en sol major de Boccherini amb l'Orquestra de Vigo i també va tocar formant duo amb la Isabel.
Durant aquells dies va rebre diverses invitacions, dirigides també de manera ampliada a la Isabel, per tornar a treballar als Estats Units. Van pensar d’acceptar la proposta, però finalment van decidir quedar-se a Portugal.
I La Isabel, a qui en Lluís anomenava Bel, va quedar embarassada l'any següent. La primera filla va néixer l'octubre de 1952.
E El 1953 tots dos van tocar al Salão Nobre Municipal d'Oliveira d'Azeméis la "Suite sobre un tema popular", acompanyats al piano per la mateixa compositora de l’obra, Berta Alves de Sousa. El 1954 en Lluís va tocar “Adagio amb variacions” per a violoncel i orquestra d’Otorino Respigui.
El 1955, en una trobada de la Camarata Portucalense, formació creada per Suggia, en Lluís, novament a duo amb la Isabel, va interpretar "Duet for Violoncels with Piano" de Berta Alves de Sousa, la qual els va acompanyar al piano. El programa també incloïa "Meditació hebrea" de Bloch, "Havanera" de Berta Alves de Sousa, “Jueves Santo a medianoche” de Turina, "Tonadilla" de Blas de Laserna i "Granadina" de Joaquín Nin. El mateix any, al Conservatori de Música de Porto, els dos van interpretar al costat de Carlos Figueiredo el "Preludi i fuga" per a tres violoncels de Berta Alves de Sousa, i ell sol el "Lamento", una obra que Alves de Sousa li va dedicar.
A l'agost de 1958 van tenir una altra filla.
En Lluís va continuar tocant a l'Orquestra i també com a solista. El 1965, en els Concerts Pró-Arte, va tocar amb la pianista Maria Manuela Araújo la Sonata op. 6 de Richard Strauss i obres d'Ernest Bloch i Berta Alves de Sousa. El 1966, aquest cop acompanyat al piano per Fernando Jorge Azevedo, va interpretar la suite "Cantos de España", de Joaquín Nin.
I Aquest mateix any, durant el mes d'agost, en Lluís va sortir de gira per Cap Verd i Angola. Li feia molta il·lusió que la Bel l'acompanyés, però l'única persona disponible per cuidar les filles, en la seva absència, era la germana menor de la Isabel. Ella s'hi va negar i aquest fet va provocar una terrible discussió entre ells. Era una persona tranquil·la i gentil, però quan s'exaltava era capaç de perdre la raó. No obstant això, la germana de la Isabel es va mantenir ferma i en Lluís va haver de viatjar sol, a bord del vaixell Veracruz.
E El 1968 va formar un quartet amb els seus col·legues i amics Haydn Beck (violí), Alberto Gaio Lima (violí) i José Luís Duarte (viola). A l'Institut Britànic van interpretar el Quartet núm. 19 en sol major de Mozart i també el Quintet per a clarinet en la major, també de Mozart, amb el clarinetista Américo Aguiar.
El 1969, de gira per les Açores i acompanyat pel pianista Fernando Jorge Azevedo, va interpretar la Sonata per a violoncel i piano de Grieg i diverses obres de Granados, Turina i Falla.
En aquest moment era professor a l'Acadèmia de Música Vila da Feira i també va fer enregistraments per a la ràdio (Emissora Nacional). No els faltava la feina. Tanmateix, no era fàcil per a ells mantenir la casa que Suggia els va deixar.
I Era una gran casa d'estil modernista, amb una porta verda plena d'arabescos i un bell jardí, però el manteniment era costós i finalment fou necessari vendre-la.
Així que ens en vam anar a viure a un complex d'habitatges anomenat Lima 5. Es trobava just a la rua da Alegria, una mica més enllà, a prop de la casa on havien viscut els pares de Suggia.
Durant l'estiu, vam anar a Barcelona a visitar la família, que vivia a la Rambla de Catalunya. Va ser un viatge memorable. El nostre pare se sentia molt feliç i volia mostrar-nos els llocs més importants de la seva infància.
E Més tard vaig emmalaltir de meningitis. Durant un mes vaig estar en un estat proper al coma, però finalment em vaig curar del tot.
I Una tarda, mentre corria per agafar l'autobús, en Lluís va ensopegar amb una pedra i va caure. Es va trencar una cama i un braç. Va ser ingressat a l'hospital i va haver de ser operat. El seu braç es va recuperar del tot, però la dificultat per caminar el va obligar a fer servir crosses. Tenia una enorme força de voluntat i malgrat tot sempre va continuar tocant a l'orquestra.
E Aquesta caiguda va ser el començament d'una sèrie de problemes de salut que van desembocar en diverses operacions en el transcurs dels anys.
El Nadal de 1975 ens va dir: "Aquest és el meu últim Nadal".
I No va poder resistir l’última operació. Va morir a l'edat de seixanta-sis anys, el 24 de gener de 1976, envoltat de la seva família, en una clínica del centre de Porto.
Però el seu esperit mai no ens va deixar. La seva música, que era com la seva ànima, es va quedar amb nosaltres per sempre.
Lluís Millet va ser un gran violoncel·lista i el millor ésser humà que hem conegut al llarg de la nostra existència.